segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A nova Paulista: Estou pronta pra dar um "rolezinho"

Ontem, eu fiquei completamente estarrecida ao ver um amigo muito querido e super do bem, defendendo "porrada nesses vagabundos dos rolezinhos". Ao debater com ele, vi vários amigos dele com os mesmos argumentos separatistas.

Fiquei chocada pela forma cega como eles defendiam a violência contra pobres, mesmo sem se dar conta de que era isso que estavam fazendo ao defender "porrada nos jovens dos rolezinhos".

Mas, hoje, ao ver a enxurrada de gente indignada como eu com essa tentativa de apartheid brasileiro, meu coração se encheu de esperança novamente. Não podemos mesmo nos calar diante de um absurdo desse. Como bem disse meu amigo Marcus Lopes, "O shopping sempre foi a anti-cidade, o Forte Apache daqueles que não suportam a mistura e amam o seu mundinho de fantasia com temperatura ambiente de 23°C. Há décadas as ruas comerciais e os parques cederam lugar para esses espaços encaixotados e encantados que vendem um mundo de ilusão e seguro.tomar o shopping significa tomar o templo seguro, a Bastilha da classe média que, agora sim, ficará apavorada."

E se os shoppings virarem a nova Paulista como profetiza o colunista da Folha de S. Paulo Fábio Zanini, nunca terei gostado tanto de um... Estou pronta pra dar um "rolezinho".



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13/01/2014 - 03h00

Fábio Zanini: A nova Paulista


SÃO PAULO - Fui muitas vezes a Johannesburgo, na África do Sul, uma cidade viciada em shopping centers. São enormes, com escritórios, restaurantes e boates acoplados, onde o sujeito trabalha, come, diverte-se e até demonstra seu patriotismo. Na recente morte de Nelson Mandela, uma das maiores concentrações de buquês de flores formou-se aos pés de uma estátua dele no principal shopping da cidade.

Johannesburgo é uma cidade degradada, assim como São Paulo, outra que gosta muito de shoppings, embora não seja tão obcecada por eles como a metrópole sul-africana.
Quando as ruas e praças são feias e perigosas, são substituídas por esses locais fechados, onde há ao menos uma sensação de conforto e segurança. Não por acaso, supershoppings são raros na Europa.

Shoppings quebram as barreiras do que é público e privado. São ao mesmo tempo as duas coisas. Vem daí a dificuldade de lidar com os "rolezinhos", essa nova maneira de protestar de jovens que ontem descambou para seu primeiro episódio de violência, em Itaquera.
Estará procurando encrenca o dono de um desses estabelecimentos que tentar blindar a entrada com base no direito à propriedade privada. A lei pode até ampará-lo, mas a realidade, não. É impossível isolar espaços que hoje são parte da vida da cidade.

A foto de um PM tentando dar um golpe de cassetete num jovem, na capa da Folha de ontem, traz lembrança imediata de outra bem parecida, da edição de 14 de junho do ano passado, em que um policial desce borrachada num casal na avenida Paulista.
Naquele momento, a imagem agressiva ajudou a dar gás aos protestos de junho. O mesmo pode acontecer agora. Para a turma dos "rolezinhos", os shoppings são a nova Paulista.
Pelo menos na avenida, após anos de manifestações, as autoridades sabem um pouco o que esperar. Desta vez, ninguém tem ideia de como agir.

2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Ontem mesmo, uma pessoa de minha família, que não tem motivo algum para ser arrogante, ao conversar sobre locais bons de se viver, mencionou Fortaleza e disse que lá, nas praias, os donos das barracas não deixam os mendigos se aproximarem.
Interrompi o papo perguntando que discurso era aquele, carregado de higienização social, proferido (pra variar) por alguém que poderia sofrer a mesma discriminação. Indignado, fui conversar em melhores ares.
Mas o terror é esse: a segregação está tão arraigada no imaginário geral, que as pessoas mal se dão conta dos absurdos em que acreditam.
Lugar bom é aquele onde os mendigos não podem ir... Putz!

. disse...

É isso, Yúdice.
Estamos todos naturalizando a higienização social; achando normal o guarda mandar o garoto de rua se afastar da frente do restaurante, pra onde ele só olha com desejo.

Isso não pode ser normal, nem aceitável. E o exercício precisa ser coletivo. Temos que todos nos policiarmos uns aos outros, sob o risco de nos tornamos antissépticos numa proporção quase antisocial. Se é que já não estamos...