sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Onde está o papai?

Das coisas que nunca consegui entender na vida são essas histórias de gente que proíbe os filhos de verem o pai ou a mãe porque o casal se separou e querem atacar os ex-cônjuges.

Como alguém pode usar uma criança como arma, como escudo?! Isso é, pra mim, tão covarde quanto dar um soco numa criança. A agressão emocional é muitas vezes irreversível.

Daí que exatamente por essa minha visão das relações entre ex e filhos, costumo deixar minhas crias livres para que sempre estejam com os pais. Quero que elas os aproveitem o máximo possível. Brinquem, briguem, perguntem, durmam juntos, saiam, façam tarefas, tudo! 

Por morar em cidade diferente dos meus dois ex-maridos, infelizmente, é difícil que essa assiduidade aconteça com minhas filhas. Por isso, nunca me fiz de rogada na hora de ligar pra eles pra contar as notas na escola, as avaliações dos pedagogos, a situação de saúde. É bem verdade que muitas vezes fui recebida com frieza nessa tentativa de proximidade; outras vezes, nem mesmo fui atendida. Mas nunca me omiti do meu papel. Vou morrer tranquila - pelo menos em relação a isso! 

Minha insistência é tanta que, no ano passado, eu pedi que a visita a uma das minhas filhas fosse fixada pela Justiça. Não aguentava mais ver a criança chorando pelo pai. E eu não tinha mais repertório pra mentir e inventar desculpas pra ela. O juiz acatou meu pedido imediatamente, óbvio! Como disse na audiência "Em 90% dos casos entram aqui casais em que os pais pedem pra ter direito de ver os filhos. O senhor está no lado inverso, está sendo chamado pra ver sua criança. Não fuja dessa responsabilidade".

É claro que pela distância a quantidade de vezes foi limitada, pois seria oneroso a visita constante. Isso, na minha cabeça, significa que o pai se planejaria para estar com essa criança nessas vezes previstas. Faria de tudo para estar com ela, recebê-la. Você também, não é?!

Só que vai chegar a segunda visita determinada pela Justiça e, pelo andar da carruagem, a minha filha não vai ver o pai, como não viu da primeira. O motivo: passagens caras.

Um mês atrás, eu identifiquei uma promoção, enviei e-mail, me dispus a comprar a passagem no meu cartão. Você recebeu resposta? Nem eu...

A terceira visita está programada para daqui a 5 meses. Espero que até lá, eu não precise inventar mais mentiras e histórias pra minha filha.

Meu coração dói cada vez que vejo os olhinhos dela murcharem com a notícia de que ela não verá o papai, que ela não verá a família, que ela não vai fazer aquelas coisas que ele liga prometendo que a levará para fazer.

Ser mãe é maravilhoso, mas também dói demais.

Enquanto isso, neste momento, há milhares de casos de homens e mulheres que gostariam de abraçar suas crianças, porém, não podem fazê-lo porque o detentor da guarda não permite, usando o pequeno como arma.

Não... o mundo nem sempre é justo.



domingo, 25 de janeiro de 2015

Sou mãe e não, dona

Quando ela me disse, cerca de quatro meses atrás, que precisava viver essa experiência, senti como um soco no estômago.

Faltou o ar, faltaram palavras. Mas se ela teve maturidade pra perceber aquela realidade aos 11 anos (fez uma bela exposição de motivos), eu também deveria ter. E do alto de sua infância, Dalila estava ali me dando mais uma lição.

Conversei com a outra parte envolvida e, pra minha felicidade, a resposta foi positiva e a ideia muito bem recebida.


O tempo foi passando e fomos, então, amadurecendo aquele plano.

Em vários momentos, ela se mostrou titubeante. Apesar de empolgada com a novidade, dizia que não conseguiria, que talvez não resistisse. Mas, apesar de toda a dor que eu sentia, eu a encorajava.

Depois da primeira conversa sobre, eu tive certeza de que aquele passo era muito importante pra ela. Era muito importante pra eles. Era muito importante pra o mundo que eles hão de viver juntos e, principalmente, pra superar algumas frestas que ficaram abertas no decorrer de 8 anos de separação.

Eis que no domingo passado, enfim, chegou o dia daquele desejo se tornar real.
O choro desde a véspera, o medo, a angústia pela distância do colo que ela sempre teve me destruíam. Mas, paradoxalmente, também me encorajavam.

Confesso que de tudo a maior dor foi ver a minha pequena Tarsila, tão alheia a tudo, sofrer com algo que não pediu pra viver.

Já no aeroporto, eu achei que não conseguiria. Mas lembrei do pai que tanto me fez falta a vida toda. Lembrei do quanto até hoje eu carrego as marcas da ausência dessa referência. No que depender de mim, minhas filhas nunca hão de carregar as mesmas dores.

Nós, mulheres, gostamos de lembrar o quanto nos sacrificamos pelos filhos: carregamos durante meses na barriga, vivemos totalmente em função deles durante os primeiros meses de vida e abrimos mão de sonhos e planos por eles. Por tudo isso, muitas de nós tendemos a nos sentir proprietárias de nossas crias. É compreensível. Não pelo senso de posse, propriamente dito. Mas porque eles passam a ser parte de nós e, nessa condição, queremos protegê-los infinitamente.

Porém, é sempre importante lembrar que não os fizemos sozinhas. Ainda que muitos pais não tenham a participação devida na vida dos filhos, não podemos privar nossos pequenos do direito à convivência com eles, quando esses homens resolvem se abrir, enfim, para recebê-los.

Confiar, muitas vezes, é difícil! E é uma responsabilidade muito maior do que a de carregar na barriga e/ou sustentar sozinha a criança. E se der errado?

Mas e se der certo? (!!!!)

Sou mãe. Não teria o direito de privar meu maior tesouro de viver a grande experiência de ter um pai por perto.

De minha parte, resta-me suportar a dor da ausência temporária dela (vai ser por um ano); tornar esse período menos sofrido para a pequena irmã tão colada nela; e orar muito para que Deus dê àquele pai a sabedoria suficiente para aproveitar essa grande experiência, esse grande resgaste.

Ela foi sabendo que me tem integralmente mesmo que a milhares de quilômetros de distância; assim como eu sei que a tenho nas minhas melhores lembranças, na minha expectativa de retorno e na minha tranquilidade de que sempre dei e darei o meu melhor por ela.

Sou mãe.

 





sábado, 3 de janeiro de 2015

E ninguém mais vai me tirar o direito de ser negra

Resolução 2015: enegrecer.

E quando alguém ousar dizer que não sou negra, vou esfregar meu cabelo na cara. Não farei o mesmo com a boca porque aí vai virar saliência.

Sou neta de negro, tenho tios e primos negros. Minha mãe, que saiu à minha avó de sangue, foi criada por outra família e eu não cresci com esse contato profundo com a família de sangue. Mas me enchi de orgulho quando soube que eu tinha sangue preto nas veias correndo com tanta proximidade, do avô.

Já fui piada no grupo onde eu dançava, na adolescência, porque eu dizia ser negra. Já fui esculachada por me assumir negra por uma liderança do movimento afro. Ela disse que eu tinha que "me enxergar". Eu tinha 20 anos e aquilo doeu em mim de um jeito que nunca soube explicar. Aquela mulher, estudiosa no assunto, disse que eu não era o que eu achava. Passei a ter vergonha de me declarar como tal. Não queria de novo passar por ridícula, patética, excêntrica aos olhos dos outros.

Mas nos últimos anos a consciência política que me toma, a indignação que cresce no peito a cada novo atentado de racismo que vejo/leio/escuto, a emoção que eu sinto a cada novo avanço social obtido e o arrepio que os batuques me causam cada vez mais me dão muita segurança pra dizer: EU SOU NEGRA.

E não venha você ou qualquer outro sujeito ousar me dizer o contrário.

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PS: dedico este post a minha amada Thiane Neves Barros, por todas as reflexões que ela me proporcionou durante as conversas em Bragança. Ratificaram meus sentimentos. Te amo!

PS 2: Não vou me autodeclarar negra apenas em uma situação: concurso público. E a razão é simples. Ainda existem irmãos que tiveram muito menos oportunidades que eu, pra quem essas cotas foram criadas.