segunda-feira, 13 de julho de 2015

O que te faz ter medo da morte?

As pessoas, comumente, têm medo da morte. E tu, tens?
O que te faz ter medo dela? Já paraste pra pensar porque tens medo de morrer?

Em 2008, perdi subitamente uma das mais importantes e queridas amigas que já tive. Um fulminante ataque cardíaco a levou aos 28 anos de idade. Ela deixou pra todos nós o legado da amizade leal, fiel, a alegria constante e a disposição em ajudar as pessoas. Ana Amélia será sempre lembrada por tudo isso. E quando penso nela, eu reflito sobre a razão ou não de ter esse medo.

No último sábado, a partida de um jovem jornalista paraense, com uma complicação hepática, veio martelar de novo essa questão na minha cabeça: por que eu teria medo de desencarnar?

E a resposta que me vem imediatamente é só uma: separar as minhas filhas.

Choro só de imaginar que a cumplicidade delas pode acabar, que elas sofreriam demais pela distância.  Elas têm país completamente diferentes, e se eles não se entenderem?

Dalila é forte, cheia de personalidade, mas não abre mão do denguinhos da caçula.
Tarsila é altamente apegada à irmã e chora de saudade sempre que fica longe da mais velha. A Dalila chega a reclamar muitas vezes "Ela parece que quer entrar em mim".

Vê-las unidas, juntinhas, protegendo-se uma a outra, é o maior presente que Deus me reservou nesta vida. Minha partida da morada terrestre me angustia demais sobretudo por isso.

De resto, não temo muita coisa.

Acho que aproveitei muito das chances que tive de ser feliz. Amei e amo muito, sorri demais, fiz pessoas felizes. .

Apesar disso, acho que do outro lado eu lamentaria bastante o fato de nunca ter me reconciliado com uma das pessoas mais importantes da minha vida, a quem tenho certeza que devo demais de outras encarnações. Gostaria muito de ter chance de ainda nesta vida ficar bem com ele. E o "bem" não é falar e ser educado. É sentir que ele não tem qualquer ressentimento, da mesma forma que não tenho.

Lamentaria também o fato de nunca ter tido disciplina suficiente pra colocar em prática meu projeto de evangelizar em presídios e ajudar garotos infratores.

De resto, não tenho apego à esta carne.

Por sinal, registro aqui que quero a doação geral de tudo que for possível. Inclusive, de meus poucos bens materiais. Ajudem o máximo de gente possível.

Ah, e não apaguem meus perfis nas redes socais. É... A eles confesso que sou bem apegada.

E, por último, sigo acreditando no mesmo mundo diferente de quando eu tinha 12 anos. Minhas esperanças nunca envelheceram e é esse o legado que gostaria de deixar: ser lembrada por não ter medo de fazer diferente; inspirar pessoas a não temer as mudanças e as possibilidades de fazer o outro sorrir.

E tu, do que gostarias?


sexta-feira, 3 de julho de 2015

Somos todos Maju!

A primeira vez que vi a Maria Julia Coutinho foi em 2002, quando fiz uma espécie de "estágio" de duas semanas na Fundação Padre Anchieta - TV Cultura de SP. Ela era uma promissora estagiária da produção e usava um cabelo trançado. Sempre foi chamada pelos colegas de Maju.

Apesar de ter acabado de me formar, eu já tinha a experiência de dois anos como repórter na TV Cultura do Pará (é... comecei a trabalhar cedo). Lembro bem dela pegando no meu cabelo cacheado que estava solto e dizendo "Seu cabelo deve ficar lindo no vídeo". E eu respondi que eu não poderia usá-lo solto na TV Cultura do Pará porque o diretor da TV não permitia. Ela respondeu "E tem que esconder quem você é?"

Aquilo me marcou e provavelmente ela não tenha noção disso.

Anos depois, quando a vi no SPTV como repórter, lembrei do nosso curto diálogo e do quanto aquilo representava. Não preciso nem dizer, então, quando ela foi para o JN...

Vê-la sofrer um ataque tão escroto, pequeno, baixo e criminoso, feito por racistas na página do Jornal Nacional, é de causar muita revolta. Dói em mim e em qualquer pessoa preta, branca ou amarela que tenha consciência de que "não podemos esconder quem somos" para sermos bem sucedidos.

És linda e competente, Maria Julia!
‪#‎SomosTodosMajuCoutinho‬

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Justiça ou vingança?

Artigo da psicanalista Maria Rita Kehl
Sou obrigada a concordar com Friedrich Nietzsche: na origem da demanda por justiça está o desejo de vingança. Nem por isso as duas coisas se equivalem. O que distingue civilização de barbárie é o empenho em produzir dispositivos que separem um de outro. Essa é uma das questões que devemos responder a cada vez que nos indignamos com as consequências da tradicional violência social em nosso país.
Escrevo "tradicional" sem ironia. O Brasil foi o último país livre no Ocidente a abolir a prática bárbara do trabalho escravo. Durante três séculos, a elite brasileira capturou, traficou, explorou e torturou africanos e seus descendentes sem causar muito escândalo.
Joaquim Nabuco percebeu que a exploração do trabalho escravo perverteria a sociedade brasileira –a começar pela própria elite escravocrata. Ele tinha razão.
Ainda vivemos sérias consequências desse crime prolongado que só terminou porque se tornou economicamente inviável. Assim como pagamos o preço, em violência social disseminada, pelas duas ditaduras –a de Vargas e a militar (1964 e 1985)– que se extinguiram sem que os crimes de lesa-humanidade praticados por agentes de Estado contra civis capturados e indefesos fossem apurados, julgados, punidos.
Hoje, três décadas depois de nossa tímida anistia "ampla, geral e irrestrita", temos uma polícia ainda militarizada, que comete mais crimes contra cidadãos rendidos e desarmados do que o fez durante a ditadura militar.
Por que escrevo sobre esse passado supostamente distante ao me incluir no debate sobre a redução da maioridade penal? Porque a meu ver, os argumentos em defesa do encarceramento de crianças no mesmo regime dos adultos advém dessa mesma triste "tradição" de violência social.
É muito evidente que os que conduzem a defesa da mudança na legislação estão pensando em colocar na cadeia, sob a influência e a ameaça de bandidos adultos já muito bem formados na escola do crime, somente os "filhos dos outros".
Quem acredita que o filho de um deputado, evangélico ou não, homofóbico ou não, será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter queimado um índio adormecido, espancado prostitutas ou fugido depois de atropelar e matar um ciclista?
Sabemos, sem mencioná-lo publicamente, que essa alteração na lei visa apenas os filhos dos "outros". Estes outros são os mesmos, há 500 anos. Os expulsos da terra e "incluídos" nas favelas. Os submetidos a trabalhos forçados.
São os encarcerados que furtaram para matar a fome e esperam anos sem julgamento, expostos à violência de criminosos periculosos. São os militantes desaparecidos durante a ditadura militar de 1964-85, que a Comissão da Verdade não conseguiu localizar porque os agentes da repressão se recusaram a revelar seu paradeiro.
Este é o Brasil que queremos tornar menos violento sem mexer em nada além de reduzir a idade em que as crianças devem ser encarceradas junto de criminosos adultos. Alguém acredita que a medida há de amenizar a violência de que somos (todos, sem exceção) vítimas?
As crianças arregimentadas pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e oferecer futuro a um grande número de brasileiros. Esconder nossa vergonha atrás das grades não vai resolver o problema.
Vamos vencer nosso conformismo, nossa baixa estima, nossa vontade de apostar no pior –em uma frase, vamos curar nossa depressão social. Inventemos medidas socioeducativas que funcionem: sabemos que os presídios são escolas de bandidos. Vamos criar dispositivos que criem cidadãos, mesmo entre os miseráveis –aqueles de quem não se espera nada.
MARIA RITA KEHL, 63, psicanalista, foi integrante da Comissão Nacional da Verdade. É autora de "O Tempo e o Cão - A Atualidade das Depressões" (Boitempo) e de "Processos Primários" (Estação Liberdade)