quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Bônus sem mérito

Da coluna Opinião, Folha de S. Paulo desta quarta-feira.


Numa tentativa de responder ao aumento da criminalidade em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) decidiu no ano passado começar a pagar um bônus a policiais que obtivessem progressos em suas áreas de atuação.

O prêmio é devido a agentes que consigam, de acordo com as características de cada distrito, diminuir o ritmo de crescimento, estancar ou reduzir três tipos de ocorrência: mortes violentas (homicídios e latrocínios); roubos em geral (exceto de bancos e de cargas); roubos e furtos de veículos.

Iniciativas dessa natureza sempre despertam receios quanto ao uso de artifícios para forjar bons resultados, mas a proposta tinha o mérito de estimular a corporação a perseguir objetivos concretos, valendo-se de mecanismo amplamente adotado pela iniciativa privada e, em menor grau, pela própria administração pública.
Diante da disparada dos casos de roubos no Estado, entretanto, o governo decidiu excluir esse indicador do plano de metas, mantendo apenas os itens relativos a mortes e subtração de automóveis.

A mudança, é claro, facilita a concessão do benefício, mas isso não diz tudo. O mais grave é que, sem a alteração, nenhum policial faria jus ao pagamento extra --e são cerca de 120 mil agentes. Afinal, tanto no Estado como na capital, os roubos sobem há nada menos que 14 meses consecutivos.

Buscando justificar a nova regra, a Secretaria da Segurança Pública argumenta que a criação da delegacia eletrônica --que permite notificar delitos pela internet-- contaminou a série histórica, impedindo comparações diretas entre este ano e o anterior.
A explicação não convence. A própria secretaria admite que a alta de roubos se verifica mesmo com a depuração dos registros eletrônicos. Bastaria, ademais, criar meios para minimizar distorções. Eliminar das metas os índices de roubos serve apenas para aplacar insatisfações corporativas e premiar o desempenho insatisfatório.

O bônus de até R$ 2.000 por trimestre faz diferença. Soldados e cabos da Polícia Militar ganham, em média, perto de R$ 4.000 mensais; um investigador da Polícia Civil recebe cerca de R$ 5.700. Nos dois casos, em valores brutos.

Parece que o governo Alckmin transformou o prêmio numa compensação pelos baixos salários que oferece às forças de segurança (o Paraná, por exemplo, paga mais que o dobro a seus delegados).

O contribuinte, todavia, fica sem entender por que deve arcar com o bônus por um desempenho que só tem piorado nos últimos tempos.

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