segunda-feira, 15 de julho de 2013

Entenda melhor a razão da sua pobreza

O texto abaixo é do blog Recordar, Repetir e Elaborar. Resolvi reproduzir aqui porque nunca ninguém conseguiu explicar com tanta clareza a razão patológica da minha dureza financeira. A social, eu entendo. Mas a razão patológica de não conseguir ascender financeiramente, mesmo com todas as oportunidades que já tive - e que hei de ainda ter -, só a autora deste texto conseguiu fazer...
Ao reproduzir seus próprios dilemas, nem tão dilemas assim, ela traduz com maestria a minha realidade e de tantas outras pessoas da área de humanas que eu conheço...
Conversando sobre um amigo – digamos apenas que ele é da ˜área de humanas˜ – que se encontra em apuros financeiros, meu marido perguntou:
- Mas afinal, o que ele faz?
Minha resposta foi imediata, sem censura e sem rodeios:
- Ah, você sabe como é, faz um monte de coisa que não dá dinheiro.
E foi aí que me ocorreu.
Quase todos os meus amigos podem ser definidos exatamente assim: gente de humanas que faz um monte de coisa que não dá dinheiro.
Tenho pouquíssimos amigos que construíram uma sólida e tediosa carreira de sucesso em alguma respeitável multinacional.
Meus amigos, quase todos, fazem, fizeram ou farão trampos de:
design gráfico, tradução, revisão, revisão ABNT, programação, decoração, consultoria de moda, webdesign, transcrição, preparação de originais, editoração, legendagem, publicidade, jornalismo, aula de inglês, de francês, aula em faculdade, em cursinho, mestrado, doutorado, com bolsa, sem bolsa, consultoria/assessoria/gerenciamento de redes sociais, assessoria de imprensa, produção de eventos, crítica de arte, de música, de cinema, cenografia, curadoria, agitação cultural, mapa astral.
Escritores, roteiristas, resenhistas, romancistas, colunistas, cronistas e poetas. Professores, palestrantes, repórteres, artistas e fotógrafos. Produtores, atores e diagramadores. Bailarinos, músicos e psicanalistas. Pós-graduandos em ciências sociais, antropologia e história. Estudantes de graduação em filosofia. Ou, para resumir com termos que nossos tiozões reaças entendem bem: “tudo puta, bicha e maconheiro” <3 font="">
Um monte de coisas. Que não dão dinheiro. Nenhuma delas. Nem se juntar tudo.
E eu, que sempre me senti tão sem turma, tão sempre trabalhando quietinha e sozinha em casa, tão avessa ao mundo real repleto de gente com uma CLT na mão e o firme propósito de ganhar dinheiro na cabeça. Eu, que sempre me senti oprimida por aquela propaganda no metrô que mostra um jovem sorridente “decolando na carreira” depois de concluir seu MBA em administração. Eu, finalmente, sorri e me dei conta:
Gente de humanas que faz um monte de coisa que não dá dinheiro - esse é o meu clube, essa é a minha vida.
Somos bichinhos estranhos, nós que somos gente de humanas e fazemos um monte de coisa que não dá dinheiro. Pulamos de frila em frila sempre achando que o de agora vai durar e que o contratante vai pagar em dia. Ignoramos solenemente o fato de que o frila de 2009 pagava exatamente o mesmo que o frila de 2013. Acima de tudo, baseamos toda a nossa vida na convicção de que o próximo frila será melhor, mais interessante e mais bem pago que o atual.
Escrevemos, traduzimos, cantamos e sapateamos. Nosso talentos são múltiplos. Nossa versatilidade é incomparável. Nossa paciência é infinita. Nosso único defeito: não somos uma categoria unida. Se unidos fôssemos, estaríamos nos anúncios do metrô agora mesmo: “venha ser gente de humanas e fazer um monte de coisa que não dá dinheiro você também!” Mas não. Em vez disso, estamos aqui, cada qual surtando com seu próprio prazo e seu próprio cliente inadimplente – ou, no meu caso, tentando escrever mais um texto acadêmico e, em vez disso, escrevendo besteira no blog.
Tenho uma teoria de que nós, gente de humanas que fazemos um monte de coisa que não dá dinheiro, só teremos nosso valor devidamente reconhecido pela sociedade o dia em que o governo quiser subsidiar a vinda de tradutores, fotógrafos, poetas e psicanalistas cubanos. Aí sim seremos importantes – aí sim seremos potência.
Até lá, continuaremos fazendo um monte de coisa – e fingindo para a nossa família e nossos amigos com carteira assinada que ganhamos algum dinheiro.

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