segunda-feira, 26 de maio de 2014

Nos porões das redações do Pará

“Minha mãe sempre me ensinou que quando perdemos nossa capacidade de nos indignar, deixamos se esvair o sentido de existir. Carrego isso comigo onde quer que eu vá. Jamais imaginei que teria que lembrar tantas vezes dessa frase durante a vida profissional. Fato.

Logo no primeiro semestre do curso de Jornalismo consegui uma vaga para estágio na assessoria de imprensa da Polícia Militar, em 2008. Desde então, não parei mais de atuar na área. Em seguida fui convidada a reportar em um programa policial do grupo RBA. Para concretizar minha contratação, busquei inúmeras alternativas para me registrar, inclusive o Sindicato dos Jornalistas (2010). Sem o registro, a formalização do emprego era adiada e, enquanto isso, passei dias que não desejo a nenhum colega de profissão. Foram dias difíceis, de trabalho ininterrupto, sem descanso, afinal o tempo dedicado ao ensino superior, muitas vezes, foi o único que tive para me recuperar de uma jornada tripla de trabalho para produção de matérias televisivas.

Foram horas a fio pelas vielas e becos da cidade acompanhando a polícia em condições precárias. Eu e meus companheiros trabalhávamos arriscando nossas vidas, com coletes balísticos vencidos, sem ajuda de custo para alimentação, às vezes até combustível. E ainda tínhamos que conviver com o famoso assédio moral, que insiste em rondar a nossa categoria. Foram quase dois anos, até que em dezembro de 2011 o grupo assinou minha carteira como locutora/ entrevistadora, embora eu jamais tenha entrado em um estúdio de rádio da empresa.

Otimista, acreditei que as coisas melhorariam. Mas o assédio moral ganhou novas faces, presenciei colegas derramarem lágrimas após terem suas horas extras rasgadas na frente de todos dentro da redação. Sem escala fixa, nos desdobrávamos para descansar nas poucas horas entre uma jornada de trabalho e outra. Éramos obrigados a abrir mão de folgas para cobrir a falta de mão de obra, viajávamos quase sempre sem ganhar diária ou ajuda de custo. Salários miseráveis, trabalho alusivo à escravidão e quem ainda conseguia um segundo emprego tinha que pagar para não ser escalado em horário incompatível.

No último dia 15 de maio fez um ano que eu e dois colegas fomos enviados para Maracanã, município do nordeste paraense - pra ser mais exata, no quilômetro 25 da PA-127. Lá, registramos a história de um pai que vivia maritalmente com a filha mais velha e com ela teve outros seis filhos. Acompanhamos com exclusividade a prisão do idoso que, supostamente, já abusava sexualmente das filhas-netas. A matéria teve repercussão nacional e quem pode assistir o que registramos jamais imaginaria que saímos da capital paraense com o carro quase na reserva de combustível, sem dinheiro para o almoço. Enquanto os diretores eram parabenizados pelo feito jornalístico, nós tentávamos organizar o orçamento para pagar o cartão de crédito do motorista que teve que abastecer o carro o pagou o almoço e o jantar.

Eu recebia R$ 859, com descontos, me restava um salário mínimo para sustentar meu filho e arcar com exigências da empresa como estar sempre com as unhas feitas ou evitar repetir roupas. Sem nenhum glamour, fui uma repórter de TV que teve que engolir a escabrosa sugestão de um aborto para não atrapalhar o andamento de um programa com a minha ausência. Por falar em maternidade, a referida empresa não me deu nenhum tipo de apoio neste período. Como se não bastasse, fui demitida exatos 30 dias depois de um procedimento cirúrgico para retirada de um câncer em estado inicial no colo do útero.

Histórias como a minha ainda se repetem. Eu lutei por meus direitos sozinha, reivindiquei até o alto escalão da empresa e por isso fui demitida sem justificativa. Meu chefe não teve a hombridade de me comunicar, então um colega no corredor o fez.

Jamais me omiti, procurei ajuda por diversas vezes junto ao Sindicato dos Jornalistas do Pará e acreditei que após lutarmos juntos durante a greve dos jornalistas do Diário do Pará e DOL eu receberia algum tipo de assistência. Não aconteceu.

Estou expondo minha história sem demagogia. Acredito que, assim, posso evitar que outros profissionais passem por este tipo de atrocidade. Nós temos valor, fazemos um trabalho intelectual e precisamos ser representados à altura. Precisamos de cobrança, fiscalização constante e, principalmente, sensibilidade de nossa entidade de classe. Precisamos da mudança proposta pela Chapa 2. Eu sou jornalista e mereço mais, todos nós merecemos.”

- Rafaela Collins hoje conclui o curso de jornalismo na Faculdade do Pará (FAP) e recentemente foi aprovada em letras - português e libras, na Universidade Federal do Pará. É jornalista profissional registrada pelo Ministério do Trabalho em 2013. Está desempregada.


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Compartilho este depoimento aqui porque ele me tocou profundamente.
A história dessa moça precisa rodar o Brasil. O país precisa saber o que esse sanador faz com seus trabalhadores. 

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