segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Não aos assobios e discriminações

Cada vez mais mulheres vêm buscando combater discursos que perpetuam rótulos
O assobio desagradável no meio da rua. O ser julgada pelo comprimento da saia. A ditadura do ser linda e magra. A obrigação de conhecer as dicas da revista para enlouquecer o homem na cama. São, aparentemente, meras questões comportamentais e que, de tão enraizadas na sociedade, não doem ou incomodam. Se engana quem pensa assim. Cada vez mais mulheres vêm buscando combater discursos que perpetuam rótulos, machismo e preconceito, alguns tão sutis que sequer são percebidos como tais por muitas vítimas. Há menos de um mês, cartazes com a frase "Deixa Ela em Paz" passaram a ser vistos em áreas de grande circulação do Recife, de Caruaru e do Rio de Janeiro. É o nome de uma campanha independente que vem angariando milhares de seguidores por meio das redes sociais.

As integrantes, que não dizem quantas são e não se identificam para não quebrar o espírito de coletividade, afirmam que a ideia surgiu a partir de experiências que, mesmo em pleno século 21, seguem reproduzidas em situações tão antigas quanto a condenação de Eva pelo pecado original. "A frase que intitula a campanha abrange a discriminação no ambiente de trabalho, relações abusivas, assédio nas ruas, moralismo. É preciso despertar para as opressões que as mulheres sofrem, dando voz a elas, para que possamos entender que estamos juntas, que podemos nos ajudar e tornarmo-nos mais autônomas, independentes, livres", conta uma das ativistas. "São situações comuns. Talvez, por isso, bastante gente se identifique com a ideia. Mas, ao mesmo tempo, o machismo se manifesta de formas sutis", completa.


Na capital pernambucana, um dos pontos escolhidos para a colocação de lambe-lambes com a mensagem de efeito foi a rua da Aurora, na área central da Cidade. Há exemplares em postes e muros perto da Assembleia Legislativa (Alepe) e do Monumento Tortura Nunca Mais. A rua da Assembleia, no Bairro do Recife, é outro local onde a iniciativa pode ser vista. Com um pouco de cola e um rolo de pintar, as próprias integrantes afixam as mensagens, geralmente em estruturas que já foram alvo de outras intervenções urbanas, como o grafite. Elas sabem que podem ver as peças arrancadas pela ação natural ou de fiscais, mas contam com a colaboração para espalhar a campanha pelo País. "Quanto mais gente puder combater o discurso do machismo, melhor", diz a mobilizadora.


AGRESSÕES - Rótulos podem parecer inofensivos, mas formam a escada que leva a justificativas de violências conduzidas às últimas consequências. Começa na propagação de que as jeitosas meninas devem arrumar a bagunça dos garotos desajeitados. De que aprender a cozinhar e a varrer a casa é serviço que compete somente ao sexo feminino. De que, quando disponíveis no mercado de trabalho, o homem é chamado de desempregado, e a mulher, de dona de casa. Nos casos mais graves, terminam em agressões e mortes simplesmente porque alguém se acha tão dono de sua ex-companheira que se vê no direito de não deixá-la retomar sua vida.


CULPA - "A mulher já nasce culpada. Ela tem que se preocupar até se a roupa que está vestindo vai ofender alguém. Se está muito feminina, se está muito masculinizada", comentou a coordenadora do curso de Direito Penal da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Marília Montenegro, durante evento, na última quinta-feira, acerca da rede de atendimento à mulher recifense.


Na ocasião, foi divulgada uma pesquisa baseada em 168 processos criminais sentenciados entre junho de 2013 e maio de 2014 na 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Ao todo, 34,5% dos casos - exceto homicídios - partiram de homens que haviam tido um relacionamento amoroso com as vítimas.


Elas eram, quase sempre, empregadas domésticas ou donas de casa. Eles, desempregados ou vendedores. Ambas as partes, com idades de 31 a 40 anos. A maioria das ocorrências foi relativa a ameaças e lesões corporais leves. "Isso mostra a necessidade efetiva de conscientização dessas pessoas. Temos buscado promover ações, inclusive nas escolas, para combater esses discursos desde cedo, acreditando na cidadania e na garantia dos mecanismos de proteção", destacou a secretária da Mulher do Recife, Elizabete Godinho.

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Matéria do jornal FOLHA DE PERNAMBUCO ON-LINE - PE, publicada nesta segunda-feira, 31.


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