quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Lei Maria da Penha já salvou 300 mil vidas. Eu conheço algumas delas.

A violência contra a mulher está entre paredes que você nem imagina.
Cada vez que se cria um espaço para debater o tema, seja numa roda de conversa ou numa postagem de facebook, é visível o crescimento da quantidade de mulheres que já são capazes de falar sobre a agressão que sofreram, que superaram a vergonha, o medo de "se expor" e até a culpa que um dia sentiram por terem sido vítimas de seus parceiros.

Sim, eu falei culpa! A situção da agressão doméstica é tão absurda, tão destrutiva, sobretudo, internamente, que a gente chega a se sentir culpada pela agressão que sofreu. E se há filhos na questão, a situação é ainda pior...

Ontem e hoje, a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, traz em sua coluna dados que revelam os avanços da Lei Maria da Penha e a reflexão sobre que tipo de avanço é esse, como a mudança de concepção nas Defensorias Públicas, que, até 2006, defendiam os homens acusados pela agressão (os réus) e não, as mulheres vítimas da agressão.

Como filha, mulher e amiga que vivi e testemunhei situações de agressão doméstica, recebo e replico esse tipo de matéria com muita alegria. Precisamos dar um basta nesse mundo em que homens acham que são nossos donos e que devemos submissão a eles, mesmo depois que as relações acabam.
Chega!

Abaixo, os textos de Mônica Bergamo

Lei Maria da Penha levou 38 mil homens à prisão em 2012
01/01/13

O total de prisões de homens no país enquadrados na Lei Maria da Penha em 2012 deve chegar a 38 mil até dezembro (os dados de 2012 serão divulgados neste ano). Serão também 33 mil flagrantes e 5.000 prisões preventivas. A projeção, que será divulgada nos próximos dias, é feita com base em processos judiciais em andamento.

Os números são compilados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, comandada pela ministra Eleonora Menicucci, e também pelo Ministério da Justiça e pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Em 2011 foram 30 mil prisões, 26.269 flagrantes e 4.000 prisões preventivas.

Lei Maria da Penha já salvou 300 mil vidas, diz ministra Eleonora Menicucci
02/01/13

O estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostrando, na semana passada, que o número de homicídios de mulheres não diminuiu no período de aplicação da Lei Maria da Penha tirou o sono da ministra Eleonora Menicucci.

Ela não contesta os dados, que mostram que a taxa média de mortalidade, antes de 2007, era de 5,28 por 100 mil habitantes, e depois da lei chegou a 5,22 por 100 mil. E sim as conclusões tiradas do trabalho. Ela recebeu a coluna no sábado em sua casa, em Pinheiros, em SP, para a seguinte entrevista.

Folha - A lei fracassou?
Eleonora Menicucci -
A Lei Maria da penha é um sucesso. Ela substituiu uma lei que, essa sim, era fracassada. Antigamente, a penalização para o agressor era distribuir cestas básicas e fazer trabalho comunitário. Isso incentivava a violência e não estimulava as mulheres a denunciarem. Ao contrario, elas tinham vergonha de dizer que apanhavam. A Lei Maria da Penha mudou isso.


Talvez não tanto quanto o desejado?
A Lei Maria da Penha tem apenas sete anos. Ela não está nem na adolescência, ela está ainda na segunda infância. E seu primeiro sucesso foi possibilitar uma articulação inédita entre os poderes executivos nacional, estadual, e municipal com o judiciário, as promotorias e o sistema de segurança pública do país inteiro. Houve uma mudança de concepção. As defensorias públicas, antigamente, defendiam o réu [no caso, homens acusados de agressão]. Hoje, elas defendem a vítima [a mulher agredida]. Isso já é um ganho extraordinário.


Os magistrados muitas vezes não são sensíveis a ela?
Isso ainda é um problema. Alguns juízes, lá do caixa prego, resolveram pedir atestado psicológico da mulher antes de conceder a ela a medida protetiva, que determina que o agressor fique a uma determinada distância dela. Isso é duvidar da fala da mulher e pode ter consequências graves. Hoje, o juiz tem o prazo de 30 dias para expedir a medida protetiva. Fomos ao CNJ pedir que esse prazo seja reduzido para 24 horas. A Elisa Samúdio [assassinada pelo goleiro Bruno] pediu e não obteve a medida. Ela morreu. Com a proteção, provavelmente estaria viva.


E o caso de Luana Piovani, em que o Tribunal de Justiça do Rio anulou a condenação do ex-namorado dela, Dado Dolabella, porque a atriz não seria vulnerável?
Eu acho um absurdo. Só porque ela é rica, bonita, autossuficiente? A vulnerabilidade não pega classe social. As mulheres de classe média para baixo denunciam mais. A classe alta tem mais vergonha. Por isso a Luana foi extraordinária, exemplar. É aquele velho paradigma patriarcal: ela é bonita, estava na boate, usa vestidos curtos, ela estava pedindo. A Lei maria da Penha é clara: mulher nenhuma pede para ser violentada ou agredida.


Por que o número de homicídios de mulheres não caiu?Os dados desse estudo de uma pesquisadora do Ipea são baseados no 180 [número que recebe denúncias] e em dados do SUS. A fonte é legítima e correta. Mas os números não mostram o que é o simples homicídio, em que a mulher morre num assalto, por exemplo, do feminicídio, em que ela é assassinada por uma questão de gênero, por causa de uma relação de opressão e de violência doméstica. Nós estamos debatendo um projeto de lei que transforma o feminicídio em crime, com agravantes para o acusado. A conclusão de que esse estudo mostra que a Lei Maria da Penha fracassou é equivocada. Não é só o número de mortes de mulheres que vai definir o sucesso ou não da lei.

O que é então?
Só em 2011 foram 30 mil prisões de homens enquadrados na Lei Maria da Penha. As projeções mostram que, nesse ano, serão 38 mil [dados de 2012 que serão divulgados neste ano]. Nós temos mais de 300 mil medidas preventivas, protetivas, expedidas. A lei já salvou mais de 300 mil vidas. Houve julgamentos exemplares que reforçam o caráter educativo da lei. Só 2% nunca ouviram falar dela. E há novidades interessantes por todo o país.


Quais?
No Espírito Santo, cem mulheres receberam o botão do pânico, com um GPS. Quando o agressor se aproxima, a mulher aperta o botão. Uma viatura policial chega imediatamente. Dois homens já foram presos por causa disso. Em Minas Gerais, os homens acusados têm que usar tornozeleiras. Em 2006, quando a lei foi promulgada, 46 mil mulheres ligaram para o 180. Estamos chegando já a um total de 4 milhões de ligações em sete anos. As mulheres estão mais confiantes. Sabem que não estão sozinhas. O Estado está do lado delas.


Mas os dados de homicídio podem ser um sinal.
Temos uma cultura patriarcal muito forte, da posse do corpo da mulher. As mulheres tinham dificuldade de romper esse ciclo de violência porque não tinham a porta de saída, que é a autonomia econômica, a possibilidade de entrar no mercado de trabalho. Agora elas têm e têm também o aparato legal para combater a violência. Mas não se muda uma mentalidade de quatro séculos em sete anos. A lei não faz milagre. Mas a Maria da Penha é um "chutezinho" para o começo do fim da impunidade.


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