O texto abaixo é da professora Marise Morbach, uma das colaboradoras do Blog Flanar.
Instigante reflexão.
Democracia
Há sempre dois lados em uma moeda. Há sempre duas versões sobre o mesmo fato. Há
sempre uma opacidade sobre as coisas. Este lamentável episódio envolvendo a
segurança da Fazenda Cedro e o MST é um desses casos. Eu poderia tomar posição
direto, como tomei no post abaixo. Mas, depois de dar uma olhada nos blogs e nas
notícias sobre o fato, e nos comentários, mais aguça a minha vontade de refletir
sobre o ocorrido. A grande maioria dos países considerados desenvolvidos já
enfrentou o problema da terra. Nenhum escapou. Quem quiser ler alguma coisa mais
séria sobre isso, comece por Barrington Moore Jr no clássico As origens sociais
da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo
moderno. Me atrevo a fazer uma pergunta: Como vamos falar em desenvolvimento
econômico do Pará sem enfrentar o problema fundiário? Como? A grande maioria de
nós, moradores de Belém, conhece o Pará pelo mapa, não temos ideia do tamanho
dos problemas e dos enclaves produzidos pelos grandes projetos econômicos, que
foram trazidos nos anos 1970. Vocês não imaginam o que significa ter uma empresa
como a Vale em uma região como o sul do Pará. Agora acrescente um trem que vai
até Itaqui no Maranhão levando minério de ferro, e volta trazendo a miséria do
Maranhão para Marabá, Parauapebas, Canaã dos Carajás, Eldorado dos Carajás, e
por aí vai. Centenas de pessoas sem eira nem beira chegam pelo trem da Vale em
busca de um lugar prá viver; a grande maioria dos adultos será recrutada pelo
voto para receber algum benefício. Outros vão entrar nas fileiras dos movimentos
sociais, e por um único motivo: não tem saída fácil para nada. A saída fácil
está na moralidade dos vencedores; e só nela. Temos enormes quantidades de terra
na mão de meia dúzia de pessoas. Temos produção rural, é verdade! E eu sou a
favor da propriedade privada, sou sim. Mas não sou a favor, nem do latifúndio,
nem da captura dos orgãos públicos por meia dúzia de políticos, funcionários e
militantes. É estarrecedor ver um representante da escolha pública como o
deputado federal Giovanni Queiroz votar Não sobre a PEC do Trabalho Escravo.
Este discurso de que temos de defender a propriedade privada é uma falácia.
Temos é que perguntar ao Estado qual é a resolução para os conflitos. Cabe ao
Estado organizar essa ação. Ele tem as prerrogativas legais para o uso da força.
Ele tem condições de organizar os interesses em disputa. Não é possível que
passados 26 anos da abertura do regime autoritário, nós não tenhamos uma Agenda
séria neste Pará de discussão dos problemas fundiários e agrários. Não podemos
continuar ao sabor da Opinião Pública; ou ao sabor das ações intempestivas dos
movimentos sociais forçando a tomada de atitude; quase sempre danosa para o lado
mais fraco. Me lembro que no governo de Ana Júlia Carepa houve uma clara
tentativa de intervenção do judiciário paraense ao querer federalizar a
questão. E agora? O senador Jader Barbalho, quando foi Ministro da Reforma
Agrária, começou por indenizar com cifras milionárias vossas majestades rurais.
Ele não usou algemas por nada. Não, ele usou algemas por este, e outros motivos
que fizeram da SUDAM um antro da roubalheira generalizada. Não haverá
desenvolvimento econômico no Pará nas condições em que nos encontramos.
Esqueçam. A maioria dos indivíduos que moram neste estado desconhecem as
questões que pautaram os fatos de hoje; e a primeira ação que se tem é a de
criminalizar os movimentos sociais. É claro que existem bandidos no MST. Ora, se
existem no parlamento brasileiro? Por que não haveriam bandidos nos movimentos
sociais? Esta não é a questão. A questão é saber em que lugar está a autoridade
de mediação do conflito e quais as saídas?!? E que não seja a vida dos
envolvidos nos litígios.
Um comentário:
É bem melhor deixar muita terra nas mãos de poucos que produzem, do que de muitos que apenas a exaurem e depois partem para "novas aventuras". Espero que você tenha tido a oportunidade de conhecer a produtividade da fazenda em questão e sua contribuição para a geração de empregos e de renda. Saudações
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